quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Colocando rugas no mundo plano

Roteiro de atividades para discutir com a classe a abrangência da globalização, seus efeitos e como o movimento influencia a vida das pessoas.

Objetivo
A reportagem de SUPERINTERESSANTE mostra que o processo de globalização está atingindo um terceiro estágio, que afeta diretamente a vida das pessoas pois elas agora precisam competir entre si em escala planetária. Analise esse contexto com a turma para entender como se dá a globalização em escala individual.

Ano
8º e 9º anos.

Tempo estimado Duas aulas de 50 minutos.

Desenvolvimento
1ª aula
Peça que cada aluno leia o texto comparando o cidadão 3.0 consigo mesmo ou com pessoas de convívio próximo, como pais e amigos. Em seguida todos vão se classificar e classificar os conhecidos segundo os critérios apontados por Simon Kuper. Quantos 3.0 eles encontraram? Que perfil os indivíduos examinados têm?
Faça uma pequena provocação. Mostre que é muito curioso comparar nossa condição com os modelos de ser humano mais avançados o 3.0, por exemplo. A garotada ficou decepcionada ao se flagrar no estágio 2.0, 1,8, ou pior, 1.0? Mas essa classificação de estilo industrial e tecnológico pode mesmo ser aplicada à condição dos humanos?
No Brasil, parece que apenas os seres humanos 3.0 estão familiarizados com o conceito de cidadão 3.0. Isso porque leram um grande best-seller internacional: O Mundo É Plano, do jornalista americano Thomas Friedman. Porém, a despeito do livro e da reportagem defenderem a necessidade do domínio do idioma inglês para ser um cidadão 3.0, praticamente todos (e foram muitos) souberam que o mundo é plano em português. Porque no mundo plano que cria cidadãos 3.0, cada vez mais facilmente se traduz, se dá a conhecer em várias línguas, idéias poderosas, ou idéias de poderosos. Faça ver que, se esses últimos fossem esperar que todos aprendessem inglês, os bens econômicos e culturais do universo anglo-saxão não circulariam como já o fazem e dão contornos à vida internacional há tempos.
Lembre que o ser humano não é máquina, nem opera com a mesma lógica. Mas a comparação simbólica do livro e da reportagem é rica e permite muitos raciocínios: no mundo dos automóveis e mesmo da informática, a ascensão do 1.0 para 3.0 ou 4.0 sempre significa mais potência para lidar com dificuldades. Não é assim com um carrão potente? Todavia, para um carro 1.0, o mundo não pode ter rugas, subidas nem descidas e a natureza não pode ser hostil: o mundo deve ser plano. E quanto ao cidadão 3.0? Ele lida melhor com as dificuldades do mundo?
Não. Para ele, o mundo se fez, se abriu com facilidade, ficou plano. Mas só para ele. Por isso ele é 3.0. Se o mundo se fizesse fácil e plano para todos, talvez todos pudéssemos ser apenas 1.0. Raciocínios podem se multiplicar e se contrapor até todos nos chatearmos, por isso é melhor parar e... colocar algumas rugas no mundo plano.

2ª aula Apresente a primeira ruga: a realidade vem se transformando, sem dúvida. Mas podemos dizer que o mundo vem se transformando? Isso é só um jogo de palavras? Vejamos. Se falamos num mundo plano, irregular ou rugoso, não importa , não estamos nos referindo a um único corpo? Mas esse corpo sempre existiu para os seres humanos?
Use os períodos da reportagem para exemplificar.
Colombo teria inaugurado a primeira globalização. E antes disso? Havia um período pré-globalização, ou seja, os seres humanos das diversas localidades do planeta mal se conheciam, mal sabiam da existência do outro. Não eram, obviamente, conectados. Não existia um espaço mais ou menos comum. Não havia, portanto, o mundo. Não existia humanidade e, sim, grupos sociais isolados. Ou podemos considerar como humanidade a soma de grupos humanos no planeta, mesmo que não se conheçam? Mas o ser humano não é uma construção das relações sociais? Por que prezamos pelo futuro da humanidade? Não é porque a conhecemos e nos relacionamos, porque comungamos valores?
Volte à globalização 1.0. Ela começa a criar o mundo, mas ainda de modo precário. Se na versão 3.0 o mundo é plano para poucos, na 1.0, era para muito menos gente. E quem era global? Quem tinha forças e tecnologias, certo que 1.0, para criar o mundo, que nascia plano ou rugoso? Quer dizer que tecnologias inferiores, poderes menores, forjaram o mundo. Isso não é mais difícil que aplainá-lo depois? Não serve para repensarmos o valor das tecnologias? Afinal, a informática e a internet se espraiam num mundo que já existia, num campo preparado, e não numa floresta hostil.
Agora, exponha a segunda ruga: proponha que a classe pense nos indivíduos, e não em grupos empresariais e instituições poderosas. O mundo ocidental, de modo geral (o que não é pouco), mais uma parte importante do mundo oriental têm incorporado (em proporções diferentes) uma cultura comum. Essa cultura vem da literatura, de histórias encenadas em rádios, TV e cinema, dos jornais de cada país que repercutem muito o que se dá no mundo europeu e dos Estados Unidos etc. A língua dominante de origem era o inglês, mas tudo chegou aos consumidores na língua natal de cada um, o que, aliás, pode ter significado uma assimilação mais profunda. Não somos mais tocados pelo que nos é mais familiar? E durante muito tempo, o veículo dominante desse espalhamento cultural que nos permitiu começar a pertencer a um mundo mais fluido, sermos cidadãos 2.0, foi a escrita.
Os estudantes afirmariam que a geração atual (3.0), que tem acesso ao mundo via internet e com mais facilidade de viajar, conhece o mundo melhor do que aqueles que o faziam, mais lentamente, é verdade, mais por meio de leituras, ainda que não dominassem a língua inglesa? Claro que a vantagem do on-line não é nada desprezível, mas isso pode ser aproveitado de maneira superficial, rasa, plana. Um jeito de aprofundar é valendo-se dos meios já existentes na globalização 1.0 e 2.0, que devem ser respeitados. E, entre eles, o principal é a escrita e a leitura (e ninguém escreve e fala tão bem em outra língua quanto no idioma natal). Afinal, o serviço sujo de construção da base do mundo foi feito por eles.

Avaliação
Explore a terceira ruga: a decretação do inglês como uma língua definitiva para ser cidadão 3.0 não precisa ser melhor pensada? Mostre que há algo de contraditório nisso. Quem tem poucas noções de inglês circula tranquilamente na web. Tudo é padronizado e o auxílio da linguagem visual-digital colabora para facilitar as coisas. Se não tomarmos cuidado, a discussão termina aí, o que é muito pouco, e saber esse inglês seria o conhecimento do cidadão 3.0. Claro que não é isso, mas é preciso alertar a moçada. Estimular o domínio de um idioma sobre todos os outros não é apenas refletir sobre quem tem mais poder atualmente? Essa língua da globalização 3.0, assim definida sem debate, não vai oprimir a diversidade das culturas, a riquezas das diferentes sociedades?
Conte que, na França, os termos da informática como mouse, backup, download, delete , são todos vertidos para o francês. O mesmo se dá em Portugal, onde ninguém clica com o mouse. Lá, quem faz esse serviço é o rato. E será porque os portugueses e franceses têm menos condições de aprender inglês? Ou eles questionam essa obviedade da língua mundial indispensável para ser cidadão 3.0?


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