quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Regionalização dos espaços mundiais: repensando classificações

Introdução
Classificar determinados objetos, eventos ou fenômenos implica separá-los, ordená-los e agrupá-los segundo determinados critérios e objetivos. Durante muito tempo, a Geografia, de modo geral, e a geografia escolar, em particular, operaram com classificações de países segundo seus níveis de desenvolvimento econômico-social ou organização do modo de produção. Assim, classificações de países como desenvolvidos, subdesenvolvidos, em desenvolvimento, 1º, 2º e 3º mundo, países ricos e países pobres, entre outras, povoaram os livros escolares, muitas vezes sem explicitar os critérios e indicadores utilizados ou até mesmo ficando à margem do profundo e acelerado conjunto de mudanças que vêm afetando os quatro cantos do planeta nas duas últimas décadas.
Entre elas, as extraordinárias inovações tecnológicas nos meios de transporte, comunicação e informação, o advento da globalização (ainda que centrada na economia, comunicação e informação), a consolidação de conglomerados transnacionais e do sistema financeiro global (atores cada vez mais desterritorializados), o desmoronamento do "socialismo real", surgimento ou desaparecimento de novos Estados nacionais, a emergência de redes geográficas de alcance planetário, a constituição de blocos comerciais regionais, o elevado crescimento econômico de "países emergentes" e outros. Vale a pena citar a dinâmica espacial dos circuitos ilegais da economia (sobretudo o narcotráfico) e dos chamados grupos terroristas, que utilizam redes de comunicação modernas e frações de diversos territórios como base de suas operações.
Também parece cair por terra a certeza de que as fronteiras nacionais estavam com os dias contados, já que recrudescem formas de vigilância e controle de acesso aos territórios, num "retorno do território" especialmente nos Estados Unidos e na Europa ocidental, não raro alegando questões de segurança nacional. Conflitos e guerras regionais, de cunho marcadamente territorial, também se inscrevem nessa lógica.
Embora o uso das classificações convencionais seja frequente tanto em manuais escolares como em veículos de imprensa, o que se recomenda é o seu uso de forma cuidadosa. Assim, reconhecer formas de regionalização - processo contínuo e desigual de diferenciação de áreas, ou constituição de regiões - dos espaços mundiais para fins de análise tornou-se tarefa muito mais complexa, para além da soma de indicadores econômicos ou do papel das nações numa dada divisão internacional do trabalho.
Convide os estudantes nesta sequencia didática a examinar criticamente essas questões, refletindo sobre novos elementos que tornam mais intrincadas e complexas as relações entre lugares, povos, nações e culturas no mundo contemporâneo.

Objetivos
Ler e interpretar diferentes representações cartográficas para compreender questões contemporâneas da realidade mundial. Compreender e utilizar noções de território e rede geográfica para analisar processos e eventos da realidade mundial.

Conteúdos específicos
Regionalização
Espaços mundiais
Rede geográfica
Território

Ano
8º e 9º anos

Tempo estimado
Quatro aulas

Material necessário
Textos de apoio (abaixo)
Mapas e esquema (mapas 1 e 2, mapa 3, mapa 4, mapa 5 e esquema)

Desenvolvimento
1ª aula Para iniciar o trabalho, proponha uma análise crítica sobre as classificações regionais de países que aparecem nos mapas 1 e 2. Sugira que reflitam e deem exemplos sobre a possibilidade ou não dessas classificações regionais apreenderem a complexidade do mundo em que vivemos. Converse com a turma e mostre que, no caso do primeiro mapa, países como a China, Índia e outros do Sudeste asiático alcançaram nos últimos anos expressivos resultados econômicos e melhoria de indicadores sociais, especialmente no caso da primeira. O mesmo critério se aplicaria em diferentes doses a outros países, como Coréia do Sul, México e Brasil. No caso do segundo mapa, destaque que muito pouco dessa classificação pode ser aproveitada atualmente, face à ruína do modelo soviético e a consequente incorporação de nações como as do Leste europeu à economia de mercado. Devem ser considerados também os bolsões de pobreza na América do Norte e as ilhas de prosperidade nos países considerados pobres ou subdesenvolvidos. Peça aos estudantes que organizem as informações que resultaram de suas observações e dos debates em sala de aula.

2ª aula Proponha a seguir o exame do esquema elaborado pelo geógrafo David Harvey e o mapa 3, com sistemas de comunicação e seu alcance planetário. Eles auxiliam na compreensão da constituição de redes geográficas contemporâneas. Do latim retis, que significa "fio", a rede é um conjunto de linhas interconectadas que permitem a circulação de fluxos de toda ordem. Elas asseguram a interação entre diferentes espaços, já que no contexto atual tornam mais rápido e eficiente o transporte e a circulação de bens, pessoas e informações. Embora haja uma difusão desigual das inovações, essa nova geografia das redes possibilita também comunicações instantâneas à distância e cria as condições para que empresas transnacionais e o sistema financeiro global operem em escala planetária. Os alunos poderão verificar isso também na configuração de outras redes, como o acesso à internet e usuários desse sistema no mundo ou via as operações no mercado financeiro, o "dinheiro que nunca dorme". Peça aos estudantes que registrem as novas observações.

3ª e 4ª aulas Solicite à turma que observe agora o mapa 4 e o mapa 5, que apresentam organismos e blocos econômicos que denotam processos de integração regional no mundo e no exemplo do continente americano. Os blocos, sejam eles áreas de livre-comércio, uniões aduaneiras ou mercado comum, são associações criadas por grupos de países para retirar entraves aos intercâmbios comerciais e permitir aos países-membros a adoção de regras comuns internas e nas relações com outros blocos ou nações - o que lhes confere maior peso político e econômico na arena mundial do que se fizessem transações individualmente. Expressando novas fronteiras econômicas, possibilitam a proteção dos mercados internos ao mesmo tempo em que viabilizam a participação em melhores condições no competitivo mercado mundial.
Chama atenção na constituição dos diferentes blocos as associações entre países em diferentes condições econômico-sociais, assim como a participação de vários Estados nacionais em mais de um organismo de cooperação econômica. De outro lado, não foram superadas ainda uma série de questões de ordem política e cultural internas aos blocos, como o nacionalismo e o separatismo. Leve em conta também que no debate internacional envolvendo questões econômicas ou geopolíticas, é possível reconhecer alianças entre países "desenvolvidos" e "subdesenvolvidos", caso dos protocolos sobre meio ambiente, ou que colocam países pobres em posições opostas, caso da candidatura de países para integrar o Conselho de Segurança da ONU.
A partir das informações sobre novos elementos que interferem na organização e regionalização dos espaços mundiais e na relação entre lugares, povos e países, proponha aos estudantes a elaboração de um texto dissertativo sobre o tema. Considere também a possibilidade de desdobramento em novos temas sobre a realidade mundial contemporânea.

Avaliação
Para avaliar as etapas desenvolvidas nessa sequência didática, considere os objetivos estabelecidos inicialmente e os processos e produtos com os quais os alunos estiveram envolvidos ao longo do trabalho. Considere as progressões individuais e coletivas na leitura e interpretação de dados em textos e mapas e valorize as capacidades de argumentação nos debates sobre a regionalização dos espaços mundiais. Se necessário, prepare avaliações individuais após um balanço final do trabalho desenvolvido.

Textos de apoio ao professor

A globalização 
A globalização não é um processo universal que atua da mesma forma em todos os campos da atividade humana. Ainda que se possa dizer que há uma tendência histórica natural para a globalização nas áreas de tecnologia, comunicações e economia, isso certamente não vale para a política (...)
Não acho que seja possível identificar a globalização apenas com a criação de uma economia global, embora este seja o seu ponto focal e sua característica mais óbvia. Precisamos olhar para além da economia. Antes de tudo, a globalização depende da eliminação de obstáculos técnicos, não da eliminação de obstáculos econômicos. Ela resulta da abolição da distância e do tempo. Por exemplo, teria sido impossível considerar o mundo como uma unidade antes de ele ter sido circunavegado no início do século XVI. Do mesmo modo, creio que os revolucionários avanços tecnológicos nos transportes e nas comunicações desde o final da Segunda Guerra Mundial foram responsáveis pelas condições para que a economia alcançasse os níveis atuais de globalização.
Fonte: Eric Hobsbawn. O novo século: entrevista a Antonio Polito. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 70-73.

O mundo e suas redes 
O mundo tem uma distribuição desigual de recursos e também uma exploração desigual destes recursos. As redes são distribuídas desigualmente no mundo, em função das densidades humanas, do tempo que o espaço já tenha sido manejado, dos níveis de vida e do tipo de desenvolvimento econômico. As densidades e a integração das redes - particularmente estudados pela Geografia - estão entre os principais critérios de observação das desigualdades do desenvolvimento no mundo. Hoje, toda a política nacional de desenvolvimento passa pelo desenvolvimento de infraestrutura de comunicação e, normalmente, pela conexão às redes internacionais.
Fonte: Roger Brunet e Olivier Dollfus. Mondes noveaux. Paris: Hachette/Reclus, 1990, p. 400.

As redes, a competitividade e a fluidez 
Uma das características do mundo atual é a exigência de fluidez para a circulação das idéias, mensagens, produtos ou dinheiro, interessando aos atores hegemônicos. A fluidez contemporânea é baseada em redes técnicas, que são um dos suportes da competitividade. Daí a busca voraz de ainda mais fluidez, levando à procura de novas técnicas ainda mais eficazes. A fluidez é, ao mesmo tempo, uma causa, uma condição e um resultado.
Criam-se objetos e lugares destinados a favorecer a fluidez: oleodutos, gasodutos, canais, autopistas, aeroportos, teleportos. Constroem-se edifícios telemáticos, bairros inteligentes, tecnopolos. Esses objetos transmitem valor às atividades que deles se utilizam. (...)
O ritmo que se pede a cada objeto, para que participe eficazmente da aceleração desejada, supõem que se conheçam de antemão os tempos de seu uso, as velocidades que se podem alcançar e os custos respectivos.
Fonte: Milton Santos. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo : Hucitec, 1997, p.218. 



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